quinta-feira, 18 de maio de 2017

O caminho de Tim Raue: Uma discussão sobre a relação Indivíduo-Familia-Estado-Cultura.

Ontem assisti o episódio do seriado Chef's Table (Netflix) sobre o chef alemão Tim Raue.
O seriado é bem produzido e desenvolvido, apresenta um pouco sobre destacados nomes da gastronomia mundial.
Mas o episódio sobre Tim Raue me fez pensar em outras coisas além da gastronomia.
Raue nasceu na pobreza, na guerra fria e sofreu muito, tanto pela omissão de uma mãe incapaz (segundo ele) quanto pela violência de um pai desequilibrado.
Tendo essa má experiência/influência na infância, teve uma adolescência ligada a gangues. Roubos, brigas, espancamentos... muito ódio.
Com o tempo, sacou que não viveria muito ali naquela situação. Se cadastrou nestes programas de realocação de desempregados e num teste vocacional viu como possibilidade ser chef de cozinha.
Descobriu logo que tinha o dom pra isso. Batalhou, teve disciplina. Revolucionou literalmente a vida das pessoas de Berlim - dizem que ele foi o estopim de um movimento cultural maior na cidade. Hoje um dos mais renomados chefes do mundo.

Poderia soar como uma historinha de autoajuda ou de glorificação à meritocracia, mas não... quero discutir com este exemplo as relações entre Indivíduo, Família, Estado e Cultura (que na verdade são vários níveis da mesma coisa).

Tim deve ter sofrido muito na infância. Fiquei triste por ver seu relato. Tenho filhos pequenos e assim fica mais fácil ter empatia por crianças em situação de abuso. Com o abuso na infância, o amor próprio se esvaiu, o que fez o adolescente Tim buscar a autodestruição, numa tentativa de expurgar a tristeza desta família e de quebrar o congelamento que o ódio gerou em sua vida. Na historinha meritocrática, viria aqui que ele sozinho superou suas pedras, que elas na verdade fortaleceram ele, que ele isoladamente conquistou o mundo. Pura balela.

Tim é um gênio... e se mesmo com toda a dor que teve na infância ele floresceu em gênio, com muito amor e atenção na infância aposto que ele teria ido ainda mais longe, mais exuberante, mais pleno, mais sutil, sei lá. Principalmente numa cultura como a Alemã.

Além disso, quando Tim percebeu que deveria abandonar o mundo da violência, ele encontrou um Estado que o amparou. Ficou claro onde era a saída da marginalidade.
Imagina no Brasil... um cara lá, na criminalidade, na marginalidade, anos 90, decide sair e de pronto já ganha do Estado teste vocacional e colocação no mercado. Não em um subemprego como caixa de supermercado, mas como chefe de cozinha.

Na minha opinião, o Estado não deve distribuir riqueza, como diz a leitura simplista socialista, mas o Estado deveria favorecer a distribuição das oportunidades. Um indivíduo na mesma situação de Tim, só que no Brasil, não teria saída clara do mundo marginal. Não teria oportunidade. E isso já o condenaria.

A maturidade de Tim, ao resolver abandonar o mundo das gangues, tem relação também com sua cultura Alemã. Uma cultura que coloca mais responsabilidade no indivíduo, do que na sociedade, gerando um ambiente menos favorável a oportunismos. Uma cultura sem grandes embates de classes, mais homogênea em desejos, onde emergem mais facilmente consensos sobre a busca de bem-estar social, sobre o papel do governo.

Resumindo... (sem querer encerrar ou simplificar a discussão sobre a história de Tim Raue): Tim conseguiu chegar onde chegou, e ajudar assim seu país, não por mérito isolado de seu indivíduo, mas pelas oportunidades que o Estado lhe proporcionou e pelo fundo cultural em que nasceu. Mesmo sua família sendo uma força negativa, uma barreira, ele continuou tendo oportunidades. De sua singularidade veio o desdobramento da história, mas sem oportunidades, não existiria sua história de êxito.

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