sábado, 3 de agosto de 2013

O paradoxo da suposta consciência

Consciência...

Um termo bem traiçoeiro, se não bem conceituado. No caso presente, desejo tratar o termo num significado específico: Consciência é a qualidade daquele que é crítico em relação ao mundo e se propõe a ser um agente modificador de realidades na busca de um bem maior. Ou seja, neste sentido, um caráter crítico é necessário mas não suficiente para garantir a existência da consciência. Além da crítica, deve existir uma atividade do indivíduo na esfera social, buscando modificar os pontos discrepantes entre o mundo observado e seu mundo idealizado. Um indivíduo que assim interage com o mundo pode então, no presente contexto, ser considerado consciente.

Mesmo tendo realizado a conceituação com certa precisão, precisarei de qualquer forma da cooperação do leitor para distinguir movimentos críticos conscientes de grupos neuróticos. Por exemplo, em uma mente doentia os neo-nazistas podem parecer críticos e dispostos a modificar a realidade por um bem maior. Mas apostando no bom senso dos leitores, continuemos.

Indivíduos e grupos conscientes tem buscado primeiramente modificar a dinâmica de suas vidas, por exemplo, evitando o consumismo, boicotando corporações que agridem o humano e o planeta, pensando de maneira diferente o nascimento, a alimentação, os vínculos sociais, o trabalho, a morte, etc. Porém, os realmente dispostos à fazer as transições necessárias são poucos. Muitos se enganam, postergando para uma futura data (que nunca chegará) as mudanças que entendem como necessárias para tornar coerentes suas crenças e seu estilo de vida.

Outros se enganam de uma outra forma, flexibilizando parte de suas crenças e parte de seu estilo de vida, escolhendo o menos pior, mas mantendo a integridade no discurso. É neste espaço, nesta flexibilização, nesta "preguiça", neste conformismo, nesta hipocrisia, neste conforto mórbido, nesta despolitização que o capitalismo entra e forma os mercados da suposta consciência.

Não que eu seja contra qualquer forma de flexibilidade, alias, acho que flexibilidade é uma das características essenciais do indivíduo saudável. Porém, quando o que se vende é a alma, e quando o discurso não se compatibiliza com o exemplo, temos o câncer, temos o paradoxo da suposta consciência.

Para exemplificar o paradoxo vou citar um exemplo.

Existe em certos grupos uma busca visando a reconexão do homem e das sociedades com os ciclos e processos naturais (lunares, solares, cósmicos, espirituais, etc.), e uma das maiores preocupações destes grupos é a questão da educação dos filhos. Para este grupos, certas linhas educacionais/pedagógicas se apresentam como solução, tentando inserir esta dimensão orgânica na educação, suprindo a busca dos pais das crianças. Porém, alguns problemas tendem a ocorrer.

Em uma cidade média ou pequena, caso a escola seja de fato criteriosa, preservando sua proposta, ela dificilmente terá público suficiente. Para manter sua existência ela flexibilizará sua filosofia, mas ao flexibilizar sua filosofia ela já perde o motivo de sua existência. Ela entrou para o mercado educacional como qualquer outra. Um paradoxo da suposta consciência.

Em uma cidade grande, dado que existem milhões de pessoas morando juntas, existirá público para uma criteriosa escola, que preserve sua proposta original. Porém, o simples fato dela existir em um grande centro urbano à torna contraditória. O ambiente simulado na escola não encontrará contexto na vida das crianças de uma cidade grande. O estilo de vida caótico e a insustentabilidade estrutural das grandes cidades inviabiliza a simples observação dos ciclos naturais. Assim, mesmo esta criteriosa escola não cumpre seu objetivo por uma questão de localização, passando a existir apenas por simples leis de mercado, e não por função ou preocupação real. Outro paradoxo da suposta consciência.

O exemplo se deu na educação, mas poderia se dar em qualquer outra área onde a suposta consciência habite.

Desconfiemos que tudo aquilo que pode ser resolvido por simples leis de mercado.

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