sexta-feira, 26 de julho de 2013

Entrega e controle

O princípio primeiro (e primordial) da permacultura é observar e interagir. Este princípio para mim contém todos os outros, e sua profundidade chega a ser meditativa. Ele revela um ganho real de nossa consciência de singularidade (ou de nossa ilusão de separabilidade). Com tal consciência podemos observar toda complexidade que nos permeia e transpõe.

Todas religiões têm sua(s) trindade(s) (inclusive a ciência ocidental moderna), e estas trindades representam a fonte do todo. Uma das representações mais didáticas da trindade pode ser vislumbrada pelo entendimento de que as dualidades (claro/escuro, masculino/feminino, frio/calor, etc.) apenas existem a partir de um observador que saiba diferenciar seus extremos, ou seja, toda realidade material depende de contraste (que vem pela dualidade) e de observação (que vem pelo terceiro elemento da trindade). Esta observação criadora é a singular tarefa que nos é possibilitada pela ilusão de separação com o resto.

Esta possibilidade de observação, de sentir o mundo, torna latente no humano a Sabedoria. Latente, e não existente, porque apenas uma observação respeitosa, contemplativa e corpórea aos fenômenos permite o desenvolvimento da Sabedoria. Apenas com entrega, com humildade, deixamos de lado a compreensão mecânica do Cosmo.

Porém nosso dom singular não para na observação. Podemos também com nosso senso de separação interagir de uma maneira distinta com o mundo. Desta forma, o princípio permacultural de observar e interagir vincula, de maneira muito fortuita, dois conceitos que deveriam sempre andar juntos, pois a interação sem a observação (de qualidades já mencionadas) se torna um ato de violência.

Infelizmente a maior parte dos humanos não tem consciência da potencialidade de seus "dons". Aliais, nossa capacidade de observação se perverte, desde os primórdios, em uma ferramenta de controle extremo, aplicada em entes inanimados ou vivos, próximos ou longínquos. Primeiro criamos uma ideia de tudo, e depois torturamos a natureza das coisas (vide Francis Bacon) para que elas se encaixem dentro de nossa ideia. É como se estivéssemos em uma briga permanente (e impassível de vitória), tentando vencer, domar, e enfiar lógica na existência.

As proporções desta perversão podem ser notadas facilmente ao observarmos uma cidade. Seus rios, antigos motivos de alegria, foram cobertos, ou linearizados como são as vias. Os relevos foram deformados sem o mínimo de sensibilidade. O Sol e a Lua não têm mais relação com a terra, e assim a luz do Sol (como a chuva, o vento, e etc.) se torna apenas uma entidade agressiva, destruindo aquilo que foi feito pelo homem, aquecendo suas construções que não permitem a terra respirar. Infelizmente, em tudo o que o homem tocou podemos notar este interagir violento, sem observação, esta mecanização da realidade que torna dormente nossa capacidade de nos tornarmos sábios. Assim não pode haver entrega, assim só existe a busca pelo (e a ilusão) do controle.

Buscando o real desenvolvimento e a harmonia com o mundo, deveríamos ter sempre como guia o princípio da precaução - isso para termos cuidado ao atuarmos, medindo as consequências de nossas ações. Tal precaução não pode ter outra fonte que a sensibilidade da observação. Porém, onde o controle toma lugar da sensibilidade, até mesmo o princípio da precaução se perverte.

Através de sua ideia de mundo, o homem criou tecnologias e técnicas para moldar (ou maquiar) sua realidade. Ele agora se ilude querendo controlar o futuro. Ao invés da regra original da precaução de "na dúvida NÃO intervenha" a regra agora é, "na dúvida intervenha tentando tornar o futuro previsível". O problema é que para o neurótico do controle sempre existem dúvidas à serem controladas.

E neste contexto, se tornam normais todos procedimentos que possuem muito mais efeitos colaterais do que efeitos desejáveis. Guerras feitas por precaução, alopáticos sendo prescritos sem necessidade, restrições da liberdade individual em prol de uma subjetiva "sociedade", cesárias marcadas, vacinas, violências obstétricas e pediátricas em geral, entre outras infinitas medidas desmedidas que buscam a destruição de tudo que é orgânico e natural, como a vida e a morte.

Não podemos ignorar a existência da busca pelo poder, pois todos estes bizarros processos listados favorecem economicamente as corporações que tentam possuir o mundo. Porém, ao invés de ver toda esta perversão como planejada pelos capitalistas, prefiro uma perspectiva mais realista, de que o capitalismo absorve qualquer tipo de inconsciência e despolitização transformando-a em mercado. Toda neurose de controle favorece a mecanização da realidade, que favorece, por sua vez, a mercantilização da realidade. Pois se o médico propôs a cesária marcada (ou a retirada dos seios) por precaução, o paciente aceitou por semelhante compreensão mecânica do processo do nascimento (ou do câncer de mama).

Sem oprimido não existe opressor, e assim não devemos buscar um lado culpado. A responsabilidade novamente recai sobre à neurose do controle/mecanização, que é brutal em nosso nascimento e nos acompanha até nossa morte. Por exemplo, a persistência na escolarização do mundo - imposição que acabou (e continua acabando) com culturas milenares - se torna algo muito pior que a encomenda dentro de uma educação mecanicista. Tal educação reprime a singularidade individual humana, massifica o pensamento coletivo e gera tanto médicos quanto pacientes que acreditam que a cesária marcada é a melhor solução.

Conforme discutido, a questão do controle e da entrega pode ser uma lente de análise da condição crítica da civilização (assim como outros conceitos também podem). O ponto central é... o que nos resta?

Por enquanto eu apenas tento voltar a ser um sensível observador.

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